quarta-feira, 13 de junho de 2007

A Ética Interpessoal Moderna

A reflexão ética da modernidade, comparada a desenvolvida no pensamento clássico, está aquém de um projeto que compreenda o homem em sua totalidade. O pensamento filosófico moderno ou contemporâneo tem desembocado num quadro de abstração tão grande que, consciente ou inconscientemente, leva a reflexão sobre questões centrais da sociabilidade humana ao plano da a-historicidade. A mutilação da reflexão ética é um dos exemplos mais concretos. Ela deixou de lado a tentativa de compreender a praxis humana e as instituições sociais para deter-se apenas às relações interpessoais, ou seja, à dimensão da subjetividade. Segundo os defensores deste pensamento, a ética deve restringir-se ao plano da interpessoalidade porque para que haja mudanças nos planos individual e coletivo e no nível das instituições sociais basta apenas que os homens sejam tocados em seus corações, com uma espécie de varinha mágica tal e qual nos “contos de fada”.
O problema dessa reflexão é que numa sociedade de classes, como as capitalistas, as relações interpessoais estão cada vez mais restritas ao espaço privado e aos círculos comunitários. As relações entre classes exploradoras e oprimidas são do tipo capital/trabalho. Essas classes se encontram no mercado e as relações não são de face a face: os intermediários (gerentes, administradores, chefes, etc.,), em grande parte, são os mediadores dessas relações.
Como poderá haver relações interpessoais entre classes que estão separadas no espaço, no tempo e na dimensão dos valores e visões de mundo? Espacialmente, a separação entre ricos e pobres é mais do que óbvia (eles não ocupam o mesmo espaço na cidade e conseqüentemente não freqüentam os mesmos lugares); esta separação tem continuidade histórica (os filhos dos pobres de hoje têm grande probabilidade de serem os pobres de amanhã); na esfera dos valores, dominada pelo discurso econômico vulgar, o discurso sobre a desigualdade é utilizado para punir uns e premiar outros (vencem os mais fortes e aptos numa espécie de darwinismo social; a adoção de certos padrões de consumo passa a ser a marca do sucesso ou do fracasso).
O que a ética interpessoal nos diz a todo tempo é que a luta de classes além de não ter sentido – pois vai de encontro a valores universais como o amor, a caridade, a compaixão, justiça – ela não é necessária, pois um dia os que dominam os meios de produção e as forças produtivas terão os seus corações tocados e renunciarão ao direito de exploração e de propriedade que o Estado lhes garante para que todos vivam em harmonia, paz e amor. Também renunciarão ao direito de matar para cumprirem finalmente um dos mandamentos tão pregado entre os homens.
Por seu caráter restrito, a ética interpessoal abandona as condições objetivas da historicidade humana, contribuindo no máximo para uma adequação das condutas e comportamentos ao projeto hegemônico da burguesia. Ela não é uma referência para a construção de uma “contra-hegemonia” à atual hegemonia política, econômica, social, cultural e ideológica, pois se move no terreno da mesma reforçando o caráter de dominação e exclusão. A ética interpessoal não é um processo, ela é um meio, um instrumento a serviço da ideologia dominante.
É preciso reconstruir uma nova ética social, uma eticidade alternativa.

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